Autistas buscam superar desafios para conquistar uma vaga no mercado de trabalho
Autistas teriam mais oportunidades de trabalho se os empregadores soubessem das vantagens de contratar essa mão de obra diferenciada
Você sabia que desde o ano de 2012 o autismo passou a ser considerado uma deficiência, com todos os direitos e benefícios legais, inclusive o direito de ser empregado? Entretanto, segundo o IBGE e o Ministério do Trabalho, 24% dos brasileiros possuem algum tipo de deficiência, mas em 2017 apenas 1% destas pessoas estavam empregadas. Atualmente, não existem dados oficiais sobre as pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) no Brasil. Mas o presidente Jair Bolsonaro sancionou no mês de Julho a Lei que obriga a inclusão, no censo demográfico, de informações específicas sobre pessoas com autismo. Trata-se da Lei 13.861/2019 que vai incluir dados sobre autismo no Censo do IBGE.
Vale destacar que pela lei o autismo é uma deficiência, mas já sabemos que o (TEA) Transtorno do Espectro Autista é considerado um transtorno do neurodesenvolvimento.
Ainda existem muitos obstáculos para o crescimento das oportunidades de emprego para pessoas com TEA. Um ponto a ser considerado é que a realidade brasileira apresenta peculiaridades derivadas do preconceito e desconhecimento a respeito do autismo, segundo Marina Ramos, Analista do Comportamento Aplicada ao Autismo do Grupo Conduzir:
“Esses obstáculos podem ser amenizados com a exploração das potencialidades das pessoas com TEA, como a facilidade em executar funções repetitivas e memorizar detalhes. A inclusão do autista também pode ser uma boa oportunidade para empregadores e para o Estado”
Essas oportunidades facilitariam a inserção de pessoas que têm o diagnóstico no mercado de trabalho se os ganhos fossem considerados não apenas pelo aspecto social, mas também por habilidades típicas de quem tem uma nova forma de pensar. São comuns os casos de autistas que alteram rotinas de trabalho aprimorando e aperfeiçoando procedimentos. Entre as habilidades de maior interesse para as empresas estão a capacidade de concentração, boa memória visual e de longo prazo, interesse por tarefas metódicas e grande capacidade de reconhecer padrões e seguir regras. Com essas qualidades, é comum encontrar os portadores de TEA envolvidos com matemática, tecnologia, música e artes.
Profissionalização, inclusão e acesso ao mercado de trabalho
Os indivíduos autistas também podem trazer uma contribuição financeira de resultados, por meio da diversidade e da inclusão. Diversidade é como se fosse uma festa com muitos tipos de convidados, e inclusão seria tirar uma dessas pessoas para dançar. A diversidade está na pauta das empresas, sendo muito debatida hoje em dia – seja sobre orientação sexual, de cor, de gênero etc. Mas é preciso considerar também a neurodiversidade, ou seja, o desenvolvimento neurológico atípico que é uma diferença humana que deve ser respeitada. É o que explica Ricardo Basaglia, diretor geral da plataforma especializada em recrutamento Michel Page e Page Personnel:
“Vemos hoje na maioria das pautas das empresas o tema diversidade, nunca se falou tanto sobre a diversidade sob os mais diferentes aspectos. Hoje em dia fala-se muito em contribuir para um ambiente melhor, em engajamento, retenção de talentos, acho que isso está diretamente ligado ao fato das pessoas identificarem o seu propósito e o propósito da empresa. Na medida em que você tem uma política de inclusão, você está claramente mostrando para os seus funcionários que a empresa tem um papel que vai além de somente gerar lucro – isso indiretamente contribui para a retenção que no fim das contas vai contribuir para que a empresa também tenha mais resultados. Diversidade significa gerar resultados.”
Quem estiver interessado em trabalhar com os autistas precisa conhecer o Artigo 27 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, no tocante à necessidade de ambientes de trabalho abertos, inclusivos e acessíveis a pessoas com deficiência. Isso quer dizer, entre outras coisas, igualdade de oportunidades, remuneração igual por trabalho igual, acesso à capacitação profissional e a garantia de condições de permanência nos empregos – o que inclui acessibilidade, adaptações razoáveis e apoio. Cada pessoa autista é diferente e requer uma adaptação diferente, mas exemplos comuns são flexibilização de horários, modulação sensorial do ambiente e instruções claras e diretas sobre as atividades a serem executadas.
Se é verdade que uma oportunidade de trabalho pode trazer benefícios para uma empresa, podemos nos sensibilizar também com a importância de uma oportunidade para quem tem o diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Afinal, são pessoas que buscam uma chance de conviver em sociedade, não querem ficar trancadas em instituições nem ficar isolados em casa. Elas têm direito de ganhar autonomia, como exemplifica Fernanda Santana, mulher autista e presidente da Abraça (Associação Brasileira para Ação pelos Direitos das Pessoas Autistas):
“A independência financeira representa um divisor de águas quando falamos sobre autonomia e independência no sentido mais amplo. Se eu ganho o meu dinheiro, posso decidir o que fazer com ele. Posso gastar com lazer, posso comprar coisas, posso ir a lugares. E ter condições financeiras também representa o maior acesso a outros direitos – escolher onde vou morar e com quem e, se for o meu desejo, me casar, ter e criar meus filhos, e assim por diante”
Tratamento para o autismo – Abordagem em ABA
Há muito tempo os autistas vêm se preparando para essas oportunidades. O tratamento para o autismo é realizado por um profissional especializado, pautado na ciência da Análise do Comportamento, com métodos e estratégias especificas de intervenção conhecidas como Terapia ABA (Applied Behavior Analysis), única indicada pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e de preferência desde a infância do paciente.
A Analista do Comportamento Aplicada ao Autismo do Grupo Conduzir, Marina Ramos, comenta que o trabalho é uma das formas que marcam a presença do ser humano no mundo, trazendo dignidade e significância social. A ida para o mercado de trabalho para o autista deve ser sempre encorajada, e as empresas precisam estar preparadas para receber e incluir esses indivíduos. E o preparo do autista se inicia muito antes da inserção em si no mercado de trabalho:
“Durante a intervenção em ABA vamos preparando o indivíduo desde a adolescência, traçando metas e repertórios necessários para a área de interesse que apresenta. É importante colocar que essas habilidades vão desde a ‘simples’ capacidade de fazer contato visual adequado e saber conversar sobre determinado assunto, desde habilidades mais específicas que serão desenvolvidas para cada cargo profissional”.
Mas há um ponto bastante relevante a ser considerado:
“É importante lembrar que, sim, existem muitos casos de sucesso para inserção do autista no mercado de trabalho, mas sempre mais evidente em indivíduos com TEA de alto funcionamento, que correspondem a uma porcentagem mínima dessa população. O que devemos trabalhar é para que não só esse perfil tenha espaço no mercado de trabalho, mas como também aqueles que necessitam de mais acompanhamento e tem um grau maior de comprometimento.”
A intervenção especializada na abordagem ABA, por meio de um projeto que acompanha toda a vida de um indivíduo autista até a vida adulta, visando inclusive a inserção no mercado de trabalho é extremamente importante. Uma equipe de profissionais focada neste tipo de intervenção proporciona desenvolvimento de habilidades básicas e pré-requisitos necessários para o sucesso de quem tem diagnóstico de TEA, oferecendo treinamento constante e apoio no ambiente de trabalho. Marina Ramos explica:
“É importante que o especialista habilitado acompanhe o tratamento do autista de perto e auxilie na busca da vaga que é melhor para ele. Trata-se de traçar um perfil do trabalho para aquele indivíduo e a partir disso encontrar lugares e empresas que possam oferecer essa vaga. Em casos que as empresas forneçam a vaga, o papel do profissional em ABA é observar quais as habilidades que o autista precisa ter para dar conta de desenvolver as suas tarefas e, para isso, é necessário treinar a equipe, dar orientações sobre como agir, como manejar comportamentos, como dar consequência, como exigir um determinado tipo de tarefa, ou como dar instrução para saber como aquela tarefa deve ser cumprida – isso tanto para o colega de trabalho, quanto ao empregador. Para que se possa criar um contexto de trabalho, um ambiente adequado às condições.”
O caso Matheus – um autista em formação para o mercado de trabalho
Matheus Cuelbas de Moura durante momento de criação de textos e roteiros
Quem está passando por um processo de preparação para entrar no mercado de trabalho é Matheus Cuelbas de Moura, de 19 anos. Diagnosticado com a Síndrome de Asperger, o garoto tem focado no desenvolvimento de habilidades com o objetivo de encontrar uma oportunidade de trabalho que esteja relacionada à capacidade de escrever, como jornalista ou roteirista de teatro, televisão e cinema:
“Em pouco tempo senti muitas evoluções e conquistas de minha parte, não só por causa da terapia, mas também por outros acontecimentos, um tanto marcantes, que me ensinaram sobre como conviver com pessoas, principalmente com os jovens, dos quais me sentia muito destoante.”
Mas, como todo jovem tem receio do que vai encontrar no mercado de trabalho:
“A insegurança vem justamente com o medo e a repulsa de me enquadrarem em alguma pré-concepção por conta de uma visão estereotipada do autismo ou de qualquer outra coisa. Atualmente o meu autismo é quase imperceptível, mas ainda tenho certa dificuldade de conviver com as pessoas e obsessão em entender o motivo ou a lógica em atitudes e sentimentos que muitas vezes não têm uma explicação concreta.”
Mas isso não significa que ele não tenha garra para tentar, e é importante ressaltar que as respostas dele a nossas perguntas veio por escrito, com escrita formal e impecável:
“Eu vejo a inserção no mercado de trabalho como algo de extrema importância, não só para os autistas, mas para os próprios contratantes. O emprego em si acaba sendo um estimulante social para as pessoas com autismo e geram possibilidade de conhecer outros mundos a ponto de criar novos repertórios. E quanto ao meio corporativo, mostram o quanto a compreensão da pluralidade humana é importante e benéfica para a própria empresa, tendo um trabalho mais efetivo e natural de seus funcionários”.
“Os autistas não devem se preocupar com rótulos ou pessoas que te criticam por mais que rotulem, pois é covardia de quem tem medo de mostrar suas cicatrizes, suas inseguranças e defeitos. Não existe máscara nenhuma que consiga cobrir o vazio de um coração. Viva seu sonho sem medo de quem tem medo da própria loucura”, finaliza Matheus.